quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Tudo por um sonho

Jovens abdicam de vida social para participar do maior festival de dança amadora da América Latina

Por: Liliane Pappen    

        Fim de noite e, enquanto milhares de jovens saem das faculdades da capital com destino as suas casas, outros tantos seguem um caminho diferente: O CTG.

       São 23 horas e 12 pares se preparam para mais um ensaio. O objetivo é conquistar a classificação para a grande final do ENART – Encontro de Arte e Tradição – que acontece anualmente em Santa Cruz do Sul, no centro do estado, em meados de novembro.

       Na construção deste sonho, os dançarinos do DTG – Departamento de Tradições Gaúchas – Lenço Colorado abrem mão de momentos em família, de compromissos sociais, dos amigos e, em alguns casos, até mesmo dos relacionamentos.

       Reunidos no centro do palco, os jovens traçam metas e sonham com o domingo da final. Foram muitos desafios. A primeira etapa foi vencida com suor e lágrimas na fase regional. Na inter-regional, ocorrida no último final de semana em Venâncio Aires, a disputa foi ainda mais acirrada. “Dançamos com outros 22 grupos que almejavam essa vaga, somente 10 passaram. Em cada fase precisamos fazer nosso melhor. Esse é o nosso espírito colorado. Quando ninguém mais acredita, vamos lá e colocamos nossa alma e coração”, afirmou o instrutor da invernada, Rinaldo Souto.

       Começa o ensaio. No galpão, localizado junto ao Parque Gigante do Sport Club Internacional, o tablado ecoa os sapateios e sarandeios dos dançarinos enquanto o grupo musical canta o levante – introdução da dança - de uma tirana. Antes das 2 horas da manhã, ninguém descansa.




Temática da apresentação

       Em cada edição do festival, um novo espetáculo temático é apresentado. Em 2013, uma das coreografias mais marcantes do DTG Lenço Colorado foi encenada. O grupo abordou o viés histórico das “mulheres guerreiras”. Estancieiras, criadas e escravas que, pela necessidade da guerra, aprenderam a empunhar armas na defesa de seu lar, enquanto os homens lutavam no decênio farroupilha.



       Com o passaporte carimbado para a semifinal, o grupo já trabalha na construção de um novo tema, mantido em segredo até a pré-estreia. “Já estamos com a pesquisa em mãos e esse ano pretendemos inovar. Vamos promover “spoilers” usando as redes sociais. Uma dica aqui, outra lá e os fãs do Lenço vão construir nosso enredo ainda antes de estrearmos”, contou Franciele Guterres Santin Haubold, coordenadora da invernada adulta.

       Assim como o contexto da coreografia, os trajes típicos também sofrem uma minuciosa pesquisa e retratam a época e a classe social que os dançarinos representam. Conforme Rinaldo, nenhum elemento é inserido na coreografia ou indumentária ao acaso. “Tudo precisa ser estudado para que não haja descontos na hora da apresentação. O tipo de tecido, as cores, os acessórios, a pilcha da prenda e do peão precisam ser condizentes com o que estamos coreografando na pista. Por isso, uma extensa pesquisa sobre o tema e os trajes é entregue à comissão avaliadora”, relatou o instrutor.

       O investimento financeiro também é alto. De acordo com Liliane Poitevin Sales, agregada das pilchas – responsável pelas finanças do grupo – cada traje pode custar mais de mil reais. “Nosso grupo se caracteriza pelo perfil de estancieiros. Em nossas coreografias resgatamos a história da nobreza gaúcha, por isso, nossas pilchas usam tecidos finos e muitos acessórios, o que acaba onerando o preço final”, disse a agregada. A composição dos figurinos conta com vestidos, sapatilhas, anáguas – saia de armação, joias, botas, casacos, lenços, palas, ceroulas de crivo e bragas – espécie de calção de veludo até a altura dos joelhos e usado sobre as ceroulas que deixam os crivos (bordados) à mostra – elaborados conforme a temática da apresentação, mas com um detalhe: assim como a coreografia, os trajes não serão repetidos no ano seguinte.

Tradição em família

       Abre a gaita e já nos primeiros acordes a pequena Bibiana Hikari Andrade Niiho, prenda mini-mirim da entidade, abre a saia rodada e começa a sarandear. Ela tem apenas 5 anos e cresceu dentro do galpão. A mãe Laurelisa Andrade e o pai Kazuhico Niiho, dançavam na invernada até 2014. Hoje, a pequena acompanha a dinda Carlisa Andrade, que apesar da ruptura em um tendão do pé direito por causa da dança, só aguarda a liberação do médico para voltar ao tablado.



       O tradicionalismo está no sangue e no nome. Apesar da origem oriental – o pai é descendente de japoneses – a menina foi batizada de Bibiana, referência à personagem do livro “O tempo e o Vento” de Érico Veríssimo. Apaixonada pelas danças, Bibiana conhece, uma a uma, as coreografias do grupo e imita, do lado de fora do tablado, os passos das dançarinas.

Vestida de prenda com um dos modelos da invernada, especialmente feito para ela, e ostentando a faixa de Bonequinha do DTG, Mirella de Oliveira Souza, de apenas 3 anos, acompanha a mãe nos ensaios. Filha de Cristina de Oliveira Gonçalves, que participa do grupo desde 2004, e Leandro Souza, a menina praticamente nasceu no Lenço Colorado.

       Outro caso de tradição em família é o da pequena Giovanna Laroca Melo do Nascimento, de 5 meses.  Os pais, Gisele Laroca da Silva e Dobrasil Renato Melo do Nascimeto não dançam, mas como patrões da entidade, acompanham todos os ensaios. “É bonito de ver. Temos várias crianças que vem com os pais nos ensaios e a Giovanna adora. Basta começar a música e ela já bate as mãozinhas”, contou a mãe.

       Liliane vai além na sua relação com a invernada. Ela conta que os filhos não dançam mais, mas mesmo assim, continua trabalhando em prol do grupo. “Sinto como se eu tivesse uma missão junto ao Lenço e a esses jovens. Quando eu cheguei, eles eram todos adolescentes. Hoje são adultos, cada um com sua vida, mas com um sonho em comum. Um sonho que eu sonho com eles a cada ano. Não é fácil. Temos imensas dificuldades financeiras e pessoais, brigamos, discutimos e nos arrependemos, mas o bom de estar aqui é que, juntos, formamos uma família. A família Lenço Colorado”.

Um amor para toda a vida

Juciandro de Oliveira, 42 anos, é casado com Fabiana Grassi, a quem conheceu dançando em invernada e com quem divide os tablados nos rodeios e festivais. O vendedor, que dança há mais de 25 anos, já passou por CTGs como o extinto Estância Farroupilha, pelo CTG Lanceiros da Zona Sul e hoje, aposta no Departamento de Tradições Gaúchas do Sport Club Internacional, o Lenço Colorado.

Depois de um quarto de século de dedicação à dança, Juciandro e Fabiana decidiram que era chegado o momento de largar o grupo. Ensaios longos que adentravam as madrugadas, compromissos profissionais e principalmente pouco tempo para o filho foram fatores determinantes na decisão. Mesmo quando o pequeno Gustavo, 10 anos, os acompanhava nos ensaios e rodeios, faltava o momento lúdico das brincadeiras. Percebiam a infância do filho de esvaindo nas veias do tempo sem aproveitá-la. Decisão tomada, comunicaram os demais integrantes da invernada que estavam se “aposentando”.

Entretanto, a coceira nos pés não deixou o casal sossegado. Pouco mais de um mês depois da saída, resolveram, por curiosidade, assistir a um dos ensaios de preparação para a inter-regional. A paixão falou mais alto. O coração bateu mais forte e como sempre, unidos, decidiram retornar.  “Não resistimos. Isso é uma cachaça, vicia. Vi o grupo e pensei... Vou dançar só mais esse ENART”, conta Juciandro. De “só mais esse”, Juciandro e Fabiana seguem colocando nas apresentações, toda a experiência e amor pela dança gaúcha, acumulados ao longo de quase uma vida.

Classificados para a grande final em Santa Cruz do Sul, Juciandro e Fabi são só sorrisos. Unidos em todos os momentos, de crise ou alegria, o casal comemora a conquista e afirma que para a felicidade ser completa só falta ficar entre os 5. “Daí, danço mais uns 5 ENART’s”, afirmou Juciandro. O DTG Lenço Colorado torce por isso!


GALERIA DE FOTOS

Novo tema já está sendo preparado para os 30 anos do ENART  - Foto: Deivis Bueno




Final do Enart acontece entre os dias 20 e 22 de novembro, em Santa Cruz do Sul

Ser gaúcho vai além da descendência, é um estado de espírito

Reunido, grupo traça estratégias para chegar à final

Perfil Lenço Colorado: Peões representam estancieiros da côrte gaúcha

Musical desempenha papel fundamental na hora do espetáculo

Três danças tradicionais são sorteadas poucos minutos antes da apresentação

Nos ensaios, filhos acompanham os pais e aprendem os primeiros passos de dança

Objetivo do grupo é ficar entre os 5 melhores do estado. - Foto: Deivis Bueno

Coreografia resgatou recortes da história da Revolução Farroupilha - Foto: Deivis Bueno









Quem sou eu

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Indefinível mulher, com tantas fases quanto a lua. Um tanto louca, um pouco santa, apaixonada e determinada em conquistar o que mereço. Amante da escrita, valorizo os detalhes, todos, mesmo os mais insignificantes. Chorona, me emociono até com comerciais. Acredito que a verdadeira beleza está na simplicidade. E sou assim, despida de vaidades efêmeras, sem nunca abandonar um bom perfume e a maquiagem. No mais, descubra-me, pois ainda estou no caminho da minha identidade.